A Feira

 

 

“A máquina? Tu num sabe?

Parou de funcionar em 84.

Era lenta e fazia barulho.

Tu só precisa é do chá

O chá de Dessintir.  

Na feira das frutas podres

Cruzando o beco dos enforcados

Onde as horas de desespero vão pra dormir.”

Eu sempre pensei que fosse uma metáfora, sabe? A “feira das frutas podres”, uma metáfora pra morte, não é evidente? Lembro de meu avô falando que um irmão ou tio tinha ido na feira e mesmo criança, eu assumi que ele tivesse morrido. Cruzei esse beco mil vezes e nunca tinha me dado esse frio na espinha, sempre soube o nome e a história, mas agora eu consigo sentir…

Consigo sentir daqui, não é uma metáfora, nenhuma figura de linguagem pode feder tanto.

Que lugar é esse?

Sujo, frio e cheio de espinhos

Sem portas, teto e janelas.

Preso entre estacas de ponta cega

Batizado e ungido em água de esgoto

Quanto é o chá?

É pra ti? Já tomou antes?

Não, sempre senti demais

Sempre senti errado

Já tentou a máquina?

A máquina do desamor?

Não funciona mais e era muito lenta.

Preciso tomar o chá e ir pra casa.

Ir pra casa? A velha riu da minha cara.

E toda a feira riu junto, ria que se contorcia

Mas não senti vergonha, não senti mais nada.

 

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